terça-feira, 15 de maio de 2012

Pra que a pressa?


Discutir a pressa nesse mundo dos fluxos dá muito pano pra manga. Aliás, acabei de saborear uma maravilhosa manga comprada no mercado. Comi-a em frente a tela do computador, diferente de ontem, que comi-a (uma outra parte dela, é claro) no silêncio da cozinha pós-almoço. O sabor foi diferente, o tempo de degustação foi outro. Tive uma pressa inconsciente pra comer a manga, com certeza influenciado pelas informações que se atualizavam constantemente na tela. Enfim, estou com a sensação de ter perdido aquele pedaço de manga, não soube aprecia-lo como merecia. Fui um tolo e agora tenho apenas matéria mastigada dentro de mim, sem contemplação.

Mas a manga não vem ao caso. Nem os fluxos. E nem o pano.

(Pausa para lembrar o que vem ao caso)

Em um sábado, saímos nós, 4 palhaços do Gandaiá, de uma das visitas ao CECAL (Centro de Convivência Amor e Luz). Depois de uma hora de velhas musicas caipiras, danças improvisados e música ao vivo da pior qualidade, resolvemos por intuição sair andando pela avenida, sem rumo ou direção. Depois de passar por um legitimo bar alemão mudo e ganhar doces magníficos de uma doceria (vale até a propaganda, mas esqueci o nome da loja), passamos em frente a uma loja de objetos bonitos e caros. Trocamos algumas palavras e risadas com o pessoal da loja e nos ofereceram um copo de água (afinal, um copo d'água e um boquete não se rejeita pra ninguém). Aceitamos, não por educação, mas por sede. Paramos o nosso tempo. Entramos num lugar novo e desconhecido pra tomar água, sem pressa. Conversamos com pessoas maravilhosos, vimos alguns dos objetos de decoração mais bonitos da nossa vida e arrisco a dizer até que fizemos algumas novas amizades. Não tivemos pressa. Não olhamos no relógio (embora tivéssemos um compromisso logo em seguida). Deixamos um outro tipo de tempo nos guiar: o tempo espontâneo, que aparece na nossa abertura para as possibilidades do mundo.

Esse tempo espontâneo também esteve presente algumas horas antes, quando eu e o Jack encontramos com o grande Ceará tocando triângulo e cantando belas canções de samba e aproveitamos pra tocar e cantar com ele. Esteve presente também na hora de visita ao CECAL, aonde nos abrimos ao tempo leeeento dos velhinhos simpáticos e saudosistas. Enfim, o tempo espontâneo é o tempo do palhaço, um ser sem relógio que se abre as possibilidade e que vive sempre o presente.

E então eu me pergunto: pra que a pressa? Alias, pra onde estão indo os apressados? A pressa é realmente inimiga da perfeição? Isso me faz lembrar de uma historinha do Ítalo Calvino que li há pouco tempo:

“Entre as múltiplas virtudes de Chuang-Tsê estava a habilidade para desenhar. O rei pediu-lhe que desenhasse um caranguejo. Chuang-Tsê disse que para fazê-lo precisaria de cinco anos e uma casa com doze empregados. Passados cinco anos, não havia sequer começado o desenho. ‘Preciso de outros cinco anos’, disse Chuang-Tsê. O rei concordou. Ao completar-se o décimo ano, Chuang-Tsê pegou o pincel e num instante, com um único gesto, desenhou um caranguejo, o mais perfeito caranguejo que jamais se viu.”

Não farei aqui interpretação nenhuma da história, isso levaria muito tempo (risos!). Mas deixo uma pequena reflexão. Olho a volta e quando vejo o nosso mundo modificado pelo homem, quando vejo a nossa civilização, acredito que a pressa não tem nos levado a lugar algum. Um longo abraço.

por Marcus V. Mazieri

Um comentário:

  1. Perfeito!!!! Parabéns pelo Blog e por gentileza, continuem sem pressa e não só escrevendo estas maravilhosas experiências como fazendo a arte que corre em vossas veias! Fraterno Abraço Demorado!

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