terça-feira, 20 de março de 2012

Entrevista com Ésio Magalhães


No dia 09 de setembro de 2010 (faz tempinho já), Ésio Magalhães, multi-artista co-fundador do Barracão Teatro, participou de um bate-papo online no Portal da SP Escola de Teatro. É claro que o assunto seria o palhaço, já que Zabobrim (o palhaço do Ésio, se assim poderíamos dizer) é referência no ramo. O tema era, especificamente, "A Linguagem do Palhaço: Palhaço Comunica– ação", pois para ele "é assim que o palhaço comunica: pelas ações que realiza". Selecionamos aqui os trechos mais importantes em que se fala um pouco do que é o palhaço hoje, das suas possíveis atuações no mundo (inclusive no hospital) e dos grandes mestres palhaços. O papo na íntegra você pode ver aqui.

Ésio, como você o espaço para clowns tipo Chaplin no Brasil? É que eu busco um palhaço que se aproxima demais a ele, Carlitos. Mas não quero imitá-lo (até porque é impossível).
  O Chaplin viveu o Carlitos, o seu palhaço. Não entendo que ele tenha esgotado o palhaço, mas sem dúvida quando Chaplin morre, o Carlitos também se vai. Sobre ter espaço para este tipo de palhaço no Brasil, eu acho que existe sim o espaço para o palhaço. Sempre! O que deve ser encontrado é o público ao qual ele se destina.
  Acho que o palhaço só imita o outro para começar sua trajetória, mas quando se faz de fato, não consegue mais seguir imitando. É como aprender a andar... Vamos pela imitação dando os primeiros passos e depois caminhamos como e por onde queremos, entende?

Como é, ou como deve ser o trabalho de ator para o palhaço “doutor da alegria”, já que o mesmo estará lidando com uma platéia intimista portadora de necessidades físicas visíveis?
  Bem, antes de mais anda deixe-me esclarecer que Doutores da Alegria é o nome de um grupo de artistas, uma organização que leva o trabalho do palhaço para o hospital. Não é que o trabalho de palhaço em hospital se chame “Doutores da Alegria”. Eu mesmo orientei outros grupos que fazem esta atividade em outros lugares e com outros nomes. Enfim, sobre o trabalho do palhaço no hospital, a sua formação deve ser de artista e ele deve redimensionar o seu trabalho para o hospital. Conheço palhaços que trabalham muito bem na rua e que nãos e dão bem com o hospital, mas não porque lhes falte técnica, e sim porque não conseguem dentro do hospital se sentir bem pra trabalhar. Então, o que eu penso que seja fundamental é que o palhaço que se interesse em trabalhar no hospital esteja ciente que vai encontrar pessoas em tratamento. Pessoas que estão sob cuidados e que tem limites, mas tem muitas possibilidades que podem e devem ser exploradas.

Caro Ésio, estava a ler um artigo publicado na revista Anjos do Picadeiro 7 da Adriana Schneider Alcure onde ela problematiza um crer que o “palhaço é o possível guru do século XXI”, acho uma provocação bem pertinente para discutirmos os rumos que vem tomando a palhaçaria contemporânea. Poderia comentar um pouco sobre a palhaçaria atuante?
  Respeito muito e gosto mesmo da Adriana. E também da sua produção, mas não consigo concordar com a idéia do palhaço ser um guru. Porque pra mim o palhaço é um perdedor que segue tentando. É um apaixonado pela vida!Ele quer continuar tentando sempre, não se deixa fracassar. Embora o mundo todo diga a ele que é um derrotado, ele não veste esta camisa e segue tentando. Então, se você me diz que esta visão pode ser usada como uma saída para o nosso mundo, eu concordo! Mas esta é uma leitura do público e não do próprio palhaço. O palhaço não é um líder, como foi Che ou Ghandi. Ele é o vagabundo, o perdedor que nos mostra que nós, humanos, somo imperfeitos. Se somos a imagem e semelhança de Deus, então a imperfeição está nele também. Pra mim o palhaço não é guru, ele é quem tenta e não consegue, mas continua tentando. Não creio que palhaços em hospitais sejam salvadores! Nem os médicos o são. Por que o palhaço seria? Esta visão é da sociedade que diz “que lindo trabalho! Eu nuca faria...”. Mas não é o palhaço um salvador. Ele pode até salvar, mas sem querer, sem esta intenção!

Ésio, como você vê a relação do palhaço com o improviso.
  A relação é muito grande, no meu ponto de vista, pois o palhaço é uma máscara que joga o tempo todo no presente. Então, ele, assim como nós estamos improvisando o tempo todo os nossos encontros. Como este, agora, no chat. Não é que eu tenha lido o script antes e tenha decorado as respostas. Estou reagindo, respondendo às perguntas. O palhaço é a mesma coisa! Ele chega, percebe como o público está e joga com ele. É muito importante que o palhaço, mesmo que não trabalhe diretamente com a improvisação, em suas rotinas, tenha abertura para improvisar, pois é isso que o faz vivo no tempo restante. Mas no caso do palhaço a improvisação não é um fim, mas um meio, um recurso.

Ésio, qual a potência do humor clownesco no diálogo com as questões da sociedade? O que ele tem de peculiar?
  A potência é muito grande! Acho que o riso “é o mais inocente dos assassinos”, como diria um filósofo que não lembro mais o nome. O riso pode criticar nossa maneira de viver, nossos costumes, nossas idéias e crenças. Acho que o riso abre um espaço muito grande para falarmos de questões sérias. Até porque o palhaço quando apanha e causa riso na platéia não está se divertindo! Ele está apanhando! Isto não é bom pra ele, mas é através disso que vemos nossa própria violência. Acho que esta é a peculiaridade do trabalho do palhaço, e aí falo do riso, para tocar questões importantes de nossa existência. Sem o peso da culpa, mas com a idéia de refletir.Como um espelho!

Gostaria de saber se achas que o palhaço é também um modo de vida. O que mudou quando você decidiu ser palhaço?
  Eu acho que palhaço é sim um modo de vida. Eu ganho a minha assim, trabalhando como palhaço. Não simpatizo muito com a idéia de que palhaço seja uma filosofia de vida, pois o palhaço tem muitos problemas! Eu por exemplo, quando comecei a perder os meus cabelos sofri muito. Queria ser um galã! Já não tinha crescido muito e ainda seria careca? Que sorte, hein? Pra mim, viver o palhaço, assistir a bons palhaços me mostra me faz querer viver num mundo mais compreensivo, mais tolerante, mas não acho mesmo que o palhaço seria uma filosofia de vida, um caminho a seguir, uma luz no fim do túnel! Não acho que palhaço seja religião. Até porque tem igreja que ganha muito mais do que os palhaços!

Existem regras para ser um bom palhaço?
  A única regra básica que sigo desde a minha iniciação é que palhaço não tem regra! Não tem regra mesmo! Você vai ver palhaço de nariz, sem nariz, de sapatão, de sapatinho, um mais eloqüente, outro mais quietinho, um espalhafatoso, outro introspectivo. O palhaço tem que ser bom! Encantar a platéia! Quando isto acontece é ele quem dita as regras. Pelo menos na interação na qual ele está trabalhando.

Quais suas maiores inspirações e referências “palhacísticas” e “clownescas”?
  Minhas referências primeiras são meus domingos a noite na minha infância, quando assistíamos aos trapalhões. Outra referência boa é Jerry Lewis, nas “sessão da tarde”. Tudo isto é minha infância. Depois que comecei a trabalhar procurei outras como Chaplin, Gordo e Magro, palhaços de circo, sempre foram minhas referências maiores. Depois conheci outros grandes palhaços que me deram grandes contribuições! Gosto muito do jogo de corpo do Buster Keaton, por exemplo!

O que você acha dessa nova onda do “humor de cara limpa”, o famoso Stand up?    
  Pra mim tem os bons e os péssimos. Não sou muito simpático ao humor que acentua os preconceitos e não gosto do humor que ridiculariza o outro. Pra mim palhaço é na primeira pessoa. Eu-palhaço.  Eu ridículo. O Stand up em alguns casos é bom, com bons humoristas e piadas. Gostava de Juca Chaves e Ari Toledo. Bem, voltando ao Stand up, tem uns que são bons e outros que só reforçam a banalidade e a futilidade!

Tem muita gente que ainda acredita que o palhaço é um personagem, mas eu não acredito nisso. Costumo dizer que o palhaço é você sem a máscara que a sociedade te impõe. Seria ele um escape da vida real, ou ele seria a vida real?
  Eu acho que o palhaço é palhaço, ridículo, pois está inserido na vida real. Mesmo que em fantasia. A vida real é o seu meio. Então não consigo vê-lo como válvula de escape, pois da vida ninguém escapa – a não ser quando morre! O palhaço sofre as conseqüências da vida real e isto o faz ridículo. Costumo dizer que se todos fossem palhaços, o ridículo seria o único a não ser, entende? Se todos são palhaços, não temos o parâmetro para o riso. O riso precisa ser sério para se fazer. É preciso o centro para se ter o excêntrico.

Não vejo o palhaço como uma solução dos problemas, salvador dos fracos e dos oprimidos, mas sim como algo que acrescenta, encoraja, nos coloca em contato com as próprias fragilidades e é justamente isso, o contato, a aceitação, que faz com que busquemos as soluções.
  Eu também vejo desta forma. Ver nossa fragilidade é muito importante, pois ela faz parte de nós! O palhaço é esta figura que nos mostra quão frágeis somos e é bom ver ali, na nossa frente, pois assim, de certa forma, entendemos que somos imperfeitos.

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